biografía        bibliografía




FERREIRA GULLAR



José Ribamar Ferreira (São Luís MA 1930), pseudonimo Ferreira Gullar. Poeta, dramaturgo, tradutor e crítico de artes plásticas. Filho do comerciante Newton Ferreira e de Alzira Ribeiro Goulart, estuda no Colégio São Luiz de Gonzaga.

Aos 18 anos, trabalha como redator no Diário de São Luís, e um ano depois publica seu primeiro livro, Um Pouco Acima do Chão.

Em 1951, muda-se para o Rio de Janeiro, onde trabalha como jornalista nas revistas O Cruzeiro, Manchete e no Jornal do Brasil.

Em 1954, publica o livro A Luta Corporal e conhece os poetas Augusto de Campos (1931- ), Haroldo de Campos (1929-2003) e Décio Pignatari (1927- ).

Gullar participa da fase inicial do movimento concretista, inclusive da Exposição Nacional de Arte Concreta, realizada no Museu de Arte Moderna de São Paulo - MAM/SPRJ, em 1956.

No ano seguinte, rompe com os poetas concretos após ler um artigo de Haroldo de Campos para o Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, intitulado "Da psicologia da composição à matemática da composição". Em resposta a esse texto, escreve outro artigo, "Poesia Concreta: experiência fenomenológica", publicado no mesmo jornal, em 1957.

Gullar discorda do que considera um racionalismo excessivo da Poesia Concreta e defende uma maior subjetividade, o que resulta na criação do movimento neoconcreto, do qual participam artistas plásticos como Hélio Oiticica (1937 - 1980), Lygia Clark (1920 - 1988) e poetas como Reynaldo Jardim.

O Manifesto Neoconcreto é publicado em 1959, no Jornal do Brasil, e nesse mesmo ano é realizada a I Exposição Neoconcreta. As idéias do movimento são expostas na Teoria do Não-Objeto, que Gullar também publica nesse ano.

No início da década de 1960, escreve poemas de cordel, como João Boa Morte, Cabra Marcado pra Morrer, em que predomina uma linguagem referencial, de conteúdo político.

Em 1962, é eleito presidente do Centro Popular de Cultura - CPC da União Nacional dos Estudantes (UNE) e dois anos depois filia-se ao Partido Comunista Brasileiro.

Com a decretação AI-5, em 1968, o poeta é preso, juntamente com o jornalista Paulo Francis e os músicos Caetano Veloso e Gilberto Gil.

Obrigado a exilar-se em 1971, reside em cidades como Paris, Moscou, Santiago, Lima e Buenos Aires, e envia artigos para o jornal O Pasquim. Escreve no exílio o seu livro mais conhecido, o Poema Sujo (1976).

Em 1977, retorna ao Brasil, escreve para o teatro e a televisão. Três anos depois, é publicada uma edição de sua poesia completa, com o título de Toda Poesia (reeditada em 1999, com o acréscimo de obras recentes).

Gullar é reconhecido também como crítico de artes plásticas, tendo publicado vários títulos nessa área, entre eles Sobre Arte (1983) e Etapas da Arte Contemporânea: do Cubismo à Arte Neoconcreta (1998).


Comentário crítico
Ferreira Gullar é considerado um dos maiores poetas brasileiros. Sua obra é marcada por diferentes fases de pesquisa estética, desde o experimentalismo e o lirismo até a poesia de cordel e a dicção coloquial. No livro A Luta Corporal, de 1954, por exemplo, encontramos composições intimistas de forte musicalidade, na série "Sete Poemas Portugueses", e ainda poemas em prosa, como a Carta ao Inventor da Roda, peças concisas e substantivas que se aproximam de João Cabral de Melo Neto, como Galo Galo e ainda textos experimentais que antecipam a Poesia Concreta, pela espacialização das linhas na página, fragmentação da palavra e criação de neologismos. Um bom exemplo da arquitetura poética desse livro é o poema O Anjo: "O anjo, contido / em pedra / e silêncio, / me esperava. // Olho-o, idêntico-o / tal se em profundo sigilo / de mim o procurasse desde o início. // Me ilumino! todo / o existido / fora apenas a preparação / deste encontro. // O anjo é grave / agora. / Começo a esperar a morte" . Esta peça revela várias características da poesia inicial de Gullar, como a síntese verbal, a geometria, a mescla de termos concretos e abstratos (como a pedra e o silêncio) e a expressão subjetiva. No último poema do volume, sem título, Gullar radicaliza a disposição espacial das linhas na página, buscando dar uma dimensão plástica ao texto, ao mesmo tempo em que pulveriza as palavras em sílabas e cria termos abstratos escritos em letras maiúsculas como "URR VERÕENS / ÔR / TUFUNS / LERR DESVÉSLEZ VÁRZENS".

O Vil Metal, que reúne poemas escritos entre 1954 e 1960, parece prosseguir esse caminho de experimentação no poema que abre o volume, intitulado Fogos da Flora, mas, nas páginas seguintes, verificamos uma mudança na dicção do autor, que apresenta textos discursivos, bem-humorados e em linguagem coloquial, como Ocorrência: "Aí o homem sério entrou e disse: bom dia. / Aí o outro homem sério respondeu: bom dia / Aí a mulher séria respondeu: bom dia / Aí a menininha no chão respondeu: bom dia / Aí todos riram de uma vez". Esta peça, assim como outras do livro, afastam-se do concretismo, praticado pelo autor entre 1957 e 1958 e revelam a influência da linguagem conversacional e irônica do Modernismo , e em especial de Oswald de Andrade (1890 - 1954) (a quem dedicou o poema Oswald Morto) e Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987).

Com as mudanças políticas ocorridas no Brasil a partir do golpe militar de 1964, que derrubou o governo democrático de João Goulart, o poeta escolhe um novo caminho para a sua criação, privilegiando os temas sociais e o diálogo com a cultura popular, adotando a poesia de cordel, gênero que praticou entre 1962 e 1967 (Quem Matou Aparecida, Peleja de Zé Molesta com Tio Sam, História de um Valente, entre outros títulos). Segundo Fábio Lucas, nos Romances de Cordel, Gullar "passa ao ritmo mais fluente e popular da língua portuguesa, as estrofes narrativas em redondilhas, nos moldes dos cantadores de feiras. Falam alto no poeta a nordestinidade, a visão urbana e o compromisso social". O abandono das formas de experimentação estética em favor do compromisso político inspira ainda um ensaio de Gullar publicado em 1969, chamado Vanguarda e Subdesenvimento. O interesse pela cultura popular, pela história nacional e pela participação política está presente também nas peças de teatro que escreveu no período, em que se destacam Se Correr o Bicho Pega, se Ficar o Bicho Come (1966), escrita em parceria com Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, A saída? Onde fica a saída? (1967), em colaboração com Armando Costa e A. C. Fontoura, e Dr. Getúlio, sua Vida e sua Glória (1968), escrita com Dias Gomes. O poeta voltou a escrever para o teatro em 1979, publicando a peça Um Rubi no Umbigo.

Em 1975, Ferreira Gullar publica Dentro da Noite Veloz, livro que reflete o momento histórico em que foi escrito, marcado pela Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética: encontramos aqui poemas dedicados a temas como a guerra do Vietnã e a morte de Che Guevara, ao lado de outros que tratam da realidade social brasileira, das paisagens do Rio de Janeiro, da experiência vivida no exílio e ainda do sentimento amoroso. Um poema que merece citação, pela originalidade temática, é Uma Fotografia Aérea, em que encontramos versos dispostos na página de maneira geométrica, como estes: "meu rosto agora / sobrevoa / sem barulho / esta fotografia aérea / Aqui está / num papel / a cidade que houve / (e não me ouve) / com suas águas e seus mangues / aqui está / (no papel) / uma tarde que houve / com suas ruas e casas / uma tarde / com seus espelhos / e vozes (voadas / na poeira) / uma tarde que houve numa cidade / aqui está / no papel que (se quisermos) podemos rasgar".

No ano seguinte, Ferreira Gullar publica o Poema Sujo, talvez o seu livro mais conhecido e admirado. Escrito durante o exílio do autor em Buenos Aires, esse poema longo é reconhecido pela crítica como obra densa e consistente. Conforme José Guilherme Merquior, "Uma das originalidades do Poema Sujo consiste precisamente na conjugação dessa fixação carnal com a insistência em cantar o corpo da cidade: da bela, pobre e úmida São Luís, berço de Gullar. O realismo caricatural de Gullar, seu apego à dolorosa finitude das pessoas e coisas, emprestam a vários momentos de seu poema um tom único de abrupta humanidade". É preciso ressaltar, além dos aspectos referenciais como as lembranças da infância e a descrição de cenas do cotidiano da cidade, a riqueza rítmica e melódica do poema de Gullar, que aglutina as palavras criando efeitos sonoros que se chocam por vezes com a própria sintaxe, como nas linhas iniciais: "turvo turvo / a turva / mão do sopro / contra o muro / escuro / menos menos / menos que escuro / menos que mole e duro menos que fosso e muro: menos que furo". Este é um dos livros mais importantes da poesia brasileira da segunda metade do século XX, na opinião quase unânime da crítica.

Na Vertigem do Dia (1980) retoma o intimismo da fase inicial da poesia de Ferreira Gullar, o mergulho em suas próprias incertezas e inquietações. No poema intitulado Traduzir-se, por exemplo, o poeta diz: "Uma parte de mim / é todo mundo: / outra parte é ninguém: / fundo sem fundo. // Uma parte de mim / é multidão: / outra parte estranheza / e solidão. / (...) Traduzir uma parte / na outra parte / ? que é uma questão / de vida ou morte ? / será arte? " O poema Bananas Podres, por sua vez, recupera os temas da passagem do tempo e da morte, alegorizados na imagem da fruta que apodrece (metáfora já presente na composição As Peras, incluída no livro A Luta Corporal). O mergulho no mundo das memória e das emoções será aprofundado nos dois livros que o poeta publicou em seguida, Barulhos (1987) e Muitas Vozes (1999). Em Barulhos, Ferreira Gullar apresenta poemas discursivos e confessionais em que se refere à cidade do Rio de Janeiro, a amigos mortos, como Glauber Rocha, Clarice Lispector (1925 - 1977) e Mário Pedrosa (1900 - 1981).

Muitas vozes retoma as obsessões registradas nos livros anteriores, como a cidade natal, a infância, a família, o cenário urbano do Rio de Janeiro, a realidade social. Dois poemas que chamam a atenção nesse volume são Nasce o Poeta e Evocação de Silêncios, que recordam a concisão, a geometria e o artesanato formal de sua primeira fase criativa.

— Enciclopédia Itaú Cultural




Ivan Junqueira entrevista a Ferreira Gullar




Ferreira Gullar:
Yo era un poeta…. Yo tengo una formación parnasiana; del verso rimado y medido. Esa es mi formación. Fue cuando rompí, que yo comencé a escribir los poemas de La lucha corporal y abandoné cualquier métrica y rima y toda forma. No toda forma, sólo la forma clásica, parnasiana. Como cualquier formalismo yo llegué a un punto en La lucha corporal. Cuando yo me acostumbro a una forma cualquiera que puedo crear, la destruyo y cambio. Entonces pasé a ser un antiformalista por excelencia. ¿De acuerdo? Vi de pronto que la Generación del 45 quería retomar el poema medido, el poema rimado. Entonces, yo era lo contrario. Para mí era regresar a lo que acababa de abandonar. De modo que me enfrenté con la Generación del 45. Exactamente por eso. Estaba en el polo opuesto porque yo solo estaba en aquel momento haciendo mi Semana del 22, mi Semana de Arte Moderno. Entonces no podía regresar a las formas clásicas porque acababa de abandonarlas.


Ivan Junqueira:
Aunque trabajas básicamente con un lenguaje cotidiano –conozco muy bien tu obra- yo nunca percibí un relajamiento formal ni un relajamiento del vocabulario, ¿piensas que eso se debió a ese primer momento de tu formación trabajando con los poetas clásicos, sobre todo con la lengua portuguesa que no es la lengua brasileña que habla de otra manera.

Ferreira Gullar:
No. Ciertamente que esa formación anterior pesa. Pero lo que pesa más es que teniendo mi libertad de esas formas, que después de cierto tiempo, ellas ya no me disciplinaban. Uno ya tiene un dominio sobre ellas que ya no me ejercitaban y, en consecuencia, no me obligaban a una exigencia formal mayor a la que yo pasé hasta que me liberé de ellas.


Ivan Junqueira:
No había creación, era sólo imitación.

Ferreira Gullar:
Claro. Entonces cuando me liberé, yo tuve que descubrir una nueva manera de trabajar con nuevas leyes. No hablaría de leyes, nuevas exigencias. Entonces, el hecho de trabajar con palabras cotidianas lo entiendo así: el poema es un lugar donde esas palabras son transfiguradas. Es una especie de fuego donde yo quemo las palabras. Para que eso sucediera era necesario un rigor formal, una exigencia que no tuviera ningún a piori, que era trabajado en ese momento. Por eso es que también para escribir necesito estar en un estado psicológico muy intenso para que tenga todas esas exigencias porque en estado natural no las tengo. Cuando estás en ese estado, palabras que están en ti que nunca se asociarían, se asocian; cosas que están sepultadas, adormecidas, surgen. Esto es lo que da riqueza al poema. Si yo estoy como cuando voy a comprar pan la panadería, no sucede nada. Tengo que estar en un estado en que esa riqueza que todo mundo tiene…


Ivan Junqueira
¿Y el comunista de qué pan vive?…

En tu libro Rabo de foguete (Os anos de exílio) la historia que cuentas es una de las más crudas y desoladas que haya leído en mi vida. Eso confirma una suposición que siempre he tenido del cielo y el infierno.

Ferreira Gullar:
Para mí lo era. Llegaba a mi apartamento. No compraba cosas, no compraba una cama. Improvisaba una poltrona, no recuerdo con qué. No quería decirme a mí mismo que tenía domicilio.


Ivan Junqueira:
Irse.

Ferreira Gullar:
Irse. Yo quería que todo fuera provisional. La idea de que “ahora voy a instalarme, voy a vivir aquí”, jamás la acepté. Y eso volvió las cosas más difíciles, porque si no aceptas algo, estás siempre insatisfecho, frustrado…


Ivan Junqueira:
En otras sociedades, otras culturas, otras lenguas en un momento en que no estás para permitirte paseos, debe ser de una dureza terrible.

Ferreira Gullar:
Además soy una persona que tiene ciertas dificultades para vivir. Aparento una cosa diferente, pero tengo una cierta dificultad. Entonces, por ejemplo, viviendo en una ciudad. Vamos a ver. Estoy viviendo en Río de Janeiro. Entonces en la calle Araújo Porto Alegre. Todo me recuerda cosas: el Cinelandia de Amarelinho, los antiguos colegas, si voy para allá… Todo me recuerda. Todo está mezclado con mi vida: Ipanema, Santander, la playa de Ipanema. Pero llegas a una ciudad donde la piedra es piedra y el poste es poste. Nada te dice nada. Lo que es un poste es un poste.


Ivan Junqueira:
Es que no estás paseando, estás ahí obligado.

Ferreira Gullar:
Todo es un mundo hostil porque no te refleja nada. Solamente es materia. El poste es poste, la piedra es piedra, pero no tu historia. Te repele. El mundo afectivo, visto, te acoge. Porque tú, de tanto vivir, como dice el poema de Drummond, tú humanizas las cosas, humanizas las piedras. Porque proyectas tu vida, tu emoción sobre ellas. En cambio, cuando llegas a un lugar que nada tiene que ver contigo, es un mundo hostil. Eres un exiliado en un sentido heideggeriano. Abandonado en el mundo.


Ivan Junqueira:
Estar-ahí. El estar-ahí sin nada. Y eso no es una broma.

¿Cómo ves la poesía brasileña de estas últimas dos décadas, incluyendo la nuestra que está terminando ahí, una poesía de fin de milenio?

Ferreira Gullar:
Yo pienso que tenemos muchas cosas interesantes, creativas. A pesar de ser el fin del milenio, no es una poesía que se caracterice como en otras épocas por una novedad o por ser una poesía que esté abriendo nuevos caminos.


Ivan Junqueira:
Es que ya se abrieron tantos a lo largo del siglo.

Ferreira Gullar:
Yo pienso que la verdad, lo que me interesa realmente es un buen poema. A mí poco me importa si es ultramoderno, moderno, posmoderno, submoderno… No importa.


Ivan Junqueira:
Qué curioso. Yo llego a la misma conclusión.

Ferreira Gullar:
Ningún poema es bueno si no tiene algo de nuevo dentro de él. Y ningún poeta va a escribir un poema si no tiene algo que decir. Si él tiene algo que decir, que descubrió algo para decirnos, entonces eso nuevo está presente en lo que está haciendo.


— Círculo de Poesía